Para cerca de 54 mil baianos, a ida às urnas vai chegar mais cedo. Antes de decidir sobre o futuro dos cargos políticos do Brasil, a comunidade acadêmica da Universidade Federal da Bahia (Ufba) será ouvida sobre o que deseja para a instituição, entre os dias 24 e 25 de maio. Em dois dias, será escolhido o próximo reitor da instituição, que ocupará o cargo no quadriênio 2022-2026. Duas chapas estão oficialmente inscritas.
Segundo dados mais recentes, do levantamento da própria Ufba, são 3.074 técnicos, 2.748 professores e 48.525 estudantes, entre alunos de pós e de graduação. Cada um dos três grupos tem um voto de mesmo peso para indicar a vontade da comunidade acadêmica sobre a direção da universidade. A votação, no entanto, não representa uma eleição direta, mas apenas uma indicação. A decisão final cabe ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e é aí que tem estado a preocupação de muitos dos envolvidos na consulta que se aproxima.
É que para escolher, Bolsonaro receberá a chamada lista tríplice, com três conjuntos de candidatos a reitor e vice-reitor, além da indicação daqueles que foram os mais votados pela comunidade. O presidente, contudo, pode nomear livremente qualquer um dos nomes da lista. Há uma tradição de sempre escolher o mais votado pela comunidade acadêmica, mas, desde que se tornou chefe do Executivo, Bolsonaro vem modificando o modelo. Das 50 nomeações já feitas pelo atual presidente, 19 — ou cerca de 40% — não foram direcionadas aos primeiros colocados da lista. A última vez em que a tradição foi desrespeitada foi em 1998, durante o governo de Fernando Henrique (PSDB). Até o fim de seu mandato, Bolsonaro ainda nomeará outros 13 reitores, incluindo o da Ufba, cuja posse ocorrerá no meio deste ano.
A Universidade Federal da Bahia foi citada nominalmente no governo Bolsonaro quando Abraham Weintraub era ministro da Educação. Á época, em 2019, ele classificou a instituição como exemplo de “balbúrdia” e ameaçou contingenciamento de verba.
OUTRO MEDO
Se a decisão do presidente Jair Bolsonaro é imprevisível e preocupa, outras tradições também podem ser desrespeitadas neste processo eleitoral. Como a eleição realizada com a comunidade tem apenas caráter de consulta, a lista tríplice é montada pelo colégio eleitoral oficial da Ufba, composta, segundo informações da própria universidade, pelos membros do Conselho Universitário (Consuni) e do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe).
Historicamente, após a consulta à comunidade, apenas a chapa vencedora da eleição é inscrita na lista, completada com outros nomes, decididos pelos conselhos. As chapas que participaram da consulta e não saíram vitoriosas acabavam por abandonar a disputa como forma de respeitar a vontade da comunidade. Neste ano, segundo apurou o Jornal da Metropole, membros da Ufba estão preocupados que a tradição não seja respeitada.
Cabeça da chapa 1 — ‘Somos Ufba Sempre’ —, o atual vice-reitor Paulo Miguez, afirmou que não pedirá a inclusão de seu nome e nem seu candidato a vice, o professor Penildon Silva Filho, na lista tríplice caso não saia vitorioso da eleição. “A nossa chapa só aceitará integrar a lista se vencer a consulta. Nosso objetivo não é estar na lista, mas representar o desejo da comunidade da universidade”, afirmou em entrevista a Rádio Metropole. Não há certeza, no entanto, de que a mesma postura será tomada pelos membros da Chapa 2, o que preocupa integrantes da comunidade acadêmica.
A Chapa 2, batizada de ‘UFBA Inclusiva e Diversa em Defesa da Ciência e da Vida’, é encabeçada pelo professor Fernando Conceição, da Faculdade de Comunicação. Ele está acompanhado do professor André Gusmão Cunha, que teve sua candidatura a vice-reitor deferida na última terça-feira, depois que a primeira candidata ao cargo na chapa, a professora Bárbara Carine Soares, desistiu de concorrer. Toda a instabilidade em volta da candidatura tem gerado preocupações na comunidade.
O professor Fernando Conceição foi procurado diversas vezes pela reportagem nos últimos dias para comentar suas propostas e falar sobre seu compromisso em respeitar a lista, mas não atendeu aos contatos. Sem a certeza que a tradição será cumprida, a comunidade acadêmica se prepara para o novo pleito, em um cenário de corte de verbas e ataques constantes do governo federal.
CORTE DE VERBAS
Para além de todas as incertezas que tem rondado cada uma das fases do processo de escolha do novo reitor, o desafio de dirigir a Ufba preocupa qualquer candidato ao cargo. Acusada publicamente de ‘balbúrdia’ na gestão de Bolsonaro, a instituição vem sofrendo cortes sucessivos em seu orçamento, o que torna ainda mais árduo o trabalho de dirigi-la.
Segundo dados divulgados pela própria universidade, a redução orçamentária vem acontecendo desde 2015 e se intensificou nos últimos anos. Há sete anos, o orçamento de custeio era de cerca de R$ 195 milhões, o que comparado com os R$ 153 milhões destinados em 2022 representa uma redução acumulada de 21%. Na comparação dos últimos três anos, 2022 tem um orçamento um pouco maior do que o destinado em 2021 — foram R$ 128 milhões. Ainda assim, está em defasagem em relação a 2020 quando a verba era R$ 163 milhões. A queda nos números, aliada aos constantes ataques do governo federal às próprias universidades, torna ainda mais importante o resultado das eleições que se aproximam para quem quer defender uma universidade pública, gratuita e de qualidade.
“Está em jogo muita coisa. Todo um projeto de resistência tocado nesses últimos anos. Enfrento essa campanha para seguir defendendo a ciência e a universidade que tanto foram atacadas nos últimos tempos”, acredita Miguez, candidato da chapa 1.
Fonte: Metro1