A Defensoria Pública da Bahia (DPE-BA), em conjunto com a Secretaria de Saúde estadual (Sesab), realizou uma operação em Feira de Santana para verificar a suspeita de tuberculose entre os venezuelanos indígenas da etnia Warao. De acordo com o Conselho Nacional de Saúde, embora afete todo mundo, este grupo é especialmente vulneráveis à doença, assim como crianças, pessoas em situações de rua e em miserabilidade.
Na semana passada, uma menina de dois anos foi a óbito e, em outubro de 2023, um adulto também faleceu com os sintomas do que parecia ser uma pneumonia. No entanto, o obituário da criança indica tuberculose e desnutrição grave como causa da morte.
Na mesma data, outras duas crianças foram internadas também com desnutrição, desidratação e suspeita de pneumonia. Além disso, o pai da vítima testou positivo para tuberculose e há cinco crianças com sintomas parecidos.
Tudo isto acendeu um alerta para o risco generalizado de contágio, pois a doença é transmissível, tem como principal sintoma a tosse recorrente, e atinge principalmente o pulmão, mas, tem cura efetiva se tratada com antecedência. Como os venezuelanos moram em grupo numa pequena vila em condições precárias, era necessário averiguar com brevidade se há foco de contágio. Um dos fatos que mais preocupam é o aumento de indígenas na vila, que vive lotada de crianças livres, brincando e pulando pelos corredores, algumas nuas e expostas, sem qualquer proteção.
“No ano passado, havia 52 venezuelanos no local, agora já são 72. A Defensoria realizou essa nova visita com a Sesab para que, se verificada a doença, em um ou mais integrantes, sejam feitas as profilaxias de emergência para evitar novos óbitos”, destacou o defensor público Maurício Moitinho, da área de Fazenda Pública.
Ele está acompanhando os migrantes e juntando informações e documentos para mover uma Ação Civil Pública (ACP) contra o Município de Feira de Santana, visando garantir mais assistência do poder público à comunidade Warao na região.
De acordo com Moitinho, um novo passo para que sejam respeitados os direitos imigratórios dos venezuelanos será dado após o relatório que deverá ser feito pela vigilância sanitária e da área de saúde, que colheu as informações durante a vistoria feita nesta segunda-feira (29).
A visita técnica contou com equipe do Núcleo Regional de Saúde Centro Leste e também com a participação de integrantes do Movimento Nacional de População de Rua – MNPR de Feira de Santana, que dá assistência aos Warao há quatro anos.
Embora as condições de saúde sejam preocupantes, ao tentar dialogar com os(as) Warao – que não falam português brasileiro – dá para entender perfeitamente que a maior preocupação que demonstram é com o que vão comer no dia seguinte. E também com o aluguel, que não tem sido pago regularmente pelo Município de Feira de Santana.
As frases curtas, pausadas e demasiadamente gesticuladas mostram a dificuldade de se comunicar, mesmo arriscando um portunhol improvisado.
“Não temos dinheiro para comprar comida. [Somando] com a luz, pagamos quase 400 reais de aluguel. Temos ajuda de carros [motoristas] no sinal. São 12 pessoas para trazer comida para todos”, comentou o cacique Viva Rattia Rattia, um dos anciãos do local, que efusivamente dizia que não tinham apoio municipal regular.
“Nós não temos nada. Trabalhamos todo dia para comprar comida. Todo dia. Saímos pela manhã para pedir dinheiro no semáforo, para comprar frango, macaxeira… Almoçamos, e, à tarde, já não tem”, revela outro morador da vila, Atilano Mijares. Todos os homens e mulheres de lá vão às ruas para tentar ganhar o pão para alimentar as 72 bocas que estão vivendo na vila.
Atellano confirmou ainda que ganham no máximo 40, 50 reais por dia no sinal e que às vezes passam fome. Mas nem tudo é só comida.
Ao ver que a Defensoria estava lá, ele logo encostou e disse: “quero falar”. E com simplicidade esboçou palavras que reverberam bem o que grande parte dos Warao que vieram para o Brasil com esperança de vida nova querem:
“Queremos uma terra para plantar; cana, macaxeira… queremos trabalhar. Não tem material (para fazer artesanato – colares, redes, cobertores, bolsas – um dos meios por quais os indígenas sobrevivem), mas, se tiver, podemos trabalhar. Estamos aqui em Feira há anos, mas não conseguimos trabalho, não conseguimos uma casa boa. Só precisamos disso para morar sempre aqui no Brasil, em conjunto, como família”.
Ao perguntar se voltariam para a Venezuela, a resposta é um grande “não, não. Queremos Feira de Santana, Feira de Santana!”.
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