Altos Papos

Exú, duendes e Jaxy Jaterê: Saci é construção negra, indígena e européia, aponta pesquisador

Não é por acaso que o Dia do Saci, ícone do folclore brasileiro, é celebrado em 31 de outubro, mesma data do Halloween. A estratégia, criada a partir do projeto de lei nº 2.479/2013 da Comissão de Educação e Cultura, visa contrapor as tradições estrangeiras. Em entrevista ao Altos Papos, o jornalista e pesquisador de folclore Andriolli Costa destacou que no Brasil há uma hipervalorização das culturas de fora e uma desvalorização da cultura popular brasileira. 

“É problemático se seu filho pode sair para pegar doces no Halloween, mas você não o deixa pegar doces de Cosme e Damião porque acredita que estão amaldiçoados ou envenenados. Vejo que temos uma questão muito complicada, que envolve racismo religioso e desconhecimento. É um problema quando você acha ridículo se vestir de um mito brasileiro, que conta a nossa história, mas considera legal um mito estrangeiro que chega até nós apenas como estereótipo”, afirma.

Em meio à popularidade crescente de festividades importadas, como o Halloween, Costa aponta que o Dia do Saci sugere que personagens do folclore brasileiro podem servir como uma forma de “disputa de impostura e de deboche” para atrair o interesse do público e promover uma identificação cultural mais autêntica. “Pela diversão, a gente consegue captar as pessoas, as pessoas querendo brincar com a gente e transformar isso em algo nosso. O que eu acho um problema do Halloween, por exemplo, é que às vezes as pessoas vão dar uma hipervalorização naquilo que é de fora […] e ridicularizar o que é de dentro”, reflete.

Ainda segundo Costa, o primeiro registro do Saci remonta a meados do século XIX, três séculos depois das primeiras aparições do Curupira e do Boitatá. O pesquisador explica que o Saci resulta do “acidente colonial” da chegada dos portugueses, que aproximou as culturas indígena, africana e europeia. 

“Uma das versões aponta que o Jaxy Jaterê dos povos indígenas Guarani antecede o Saci negro como conhecemos hoje. Além do nome, há também a relação com as matas e com o conhecimento das ervas e dos chás. Com a introdução do imaginário africano, temos o orixá das matas Ossain, que em algumas representações tem apenas um pé, assim como o redemoinho, que toca o chão em um único ponto”, explica. 

Jornalista e pesquisador de folclore Andriolli Costa | Foto: Arquivo Pessoal

A cultura afro-brasileira também contribuiu para a construção do Saci a partir de outras crenças. “Ele é um assoviador, como o orixá Exu, e usa um cachimbo do preto velho”, acrescenta Costa. Já a carapuça vermelha pode ter relação com os “duendes europeus” que, como em Portugal, “agem dentro de casa, sumindo ou encontrando coisas” — característica que marca a transição do Saci das matas para o ambiente doméstico. 

Texto: João França | Foto: reprodução