Em meio às revelações do esquema de fraudes no INSS, a pensionista Lidia Clarinda de Souza, de 84 anos, moradora de Humaitá, no interior do Amazonas, descobriu que teve descontos em seu benefício durante quase 30 anos consecutivos.
Analfabeta, a idosa teve ajuda do neto para checar nesta semana se a pensão dela vinha sofrendo descontos. Ao baixarem os extratos dos benefícios, veio a surpresa: os descontos começaram em maio de 1996 e se estenderam até abril de 2025.
No início, o valor descontado era de R$ 2 por mês. Em 2025, chegou a R$ 30,36. No período, os descontos somaram R$ 4.194, em valores não corrigidos.
A idosa recebe pensão do INSS desde 1978, após a morte do marido. Durante todo o período, o benefício foi equivalente a um salário mínimo.
Com nove filhos para criar, Lidia passou a trabalhar como auxiliar de serviços gerais na Prefeitura de Humaitá, fazendo trabalho de faxineira e copeira. Ela permaneceu no emprego até 1997, quando precisou se afastar por problemas cardíacos.
“É algo que ela nunca concordou e nunca aceitaria. Até porque ela sempre foi uma pessoa que precisava de cuidados de saúde, sempre muita atenção. Ela é uma pessoa cardíaca. Gasta, mensalmente, muito, com remédios. Não faria sentido para ela perder um dinheiro que faz falta para ela”, afirma o neto de Lidia, o agente de vendas Natanael de Souza Alecrim.
Em 1996, os descontos vinham numa rubrica genérica “consignado”. A partir de 2008, a rubrica muda para “Contrib/Sind Contag”. E permaneceu assim nos anos seguintes.
Contag é a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura, uma entidade que reúne cerca de 4 mil sindicatos rurais. Procurada pela blog, a Contag encaminhou um termo de filiação assinado pela aposentada em 1994 autorizando o desconto.
Após a reportagem encaminhar o documento à família, a idosa diz ter se lembrado que, naquela época, o prefeito de Humaitá lhe pediu para assinar o documento para ajudar a prefeitura. Ela afirma que nunca soube que aquilo se tratava de uma autorização para os descontos na pensão.
A surpresa da dona Lidia poderia ter sido evitada se o INSS adotasse a revalidação dos descontos, o que nunca aconteceu desde que os descontos foram autorizados em lei, em 1991. Em 2019, o governo federal propôs ao Congresso que a revalidação fosse anual. A lei aprovada, no entanto, estabeleceu a revalidação a cada três anos. O texto foi sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Entre 2019 e 2022, o Congresso aprovou matérias adiando o início da revalidação. Em agosto de 2022, a necessidade de revalidar os descontos foi derrubada depois que um jabuti foi inserido numa medida provisória que tratava de outro assunto.
Veja quanto foi descontado:
Ano | Valor da pensão (mensal) | Valor descontado |
1997 | 120,00 | 2,24 |
1998 | 130,00 | 2,40 |
1999 | 136,00 | 2,72 |
2000 | 151,00 | 3,02 |
2001 | 180,00 | 3,60 |
2002 | 200,00 | 4,00 |
2003 | 240,00 | 4,80 |
2004 | 260,00 | 5,20 |
2005 | 300,00 | 6,00 |
2006 | 350,00 | 7,00 |
2007 | 380,00 | 7,60 |
2008 | 415,00 | 8,30 |
2009 | 465,00 | 9,30 |
2010 | 510,00 | 10,20 |
2011 | 545,00 | 10,90 |
2012 | 622,00 | 12,44 |
2013 | 678,00 | 13,56 |
2014 | 724,00 | 14,48 |
2015 | 788,00 | 15,76 |
2016 | 880,00 | 17,60 |
2017 | 937,00 | 18,74 |
2018 | 954,00 | 19,08 |
2019 | 998,00 | 19,96 |
2020 | 1.045,00 | 20,90 |
2021 | 1.100,00 | 22,00 |
2022 | 1.212,00 | 24,24 |
2023 | 1.320,00 | 26,40 |
2024 | 1.412,00 | 28,24 |
2025 | 1.518,00 | 30,36 |
Por g1
Foto: ENATO S. CERQUEIRA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO