A ONU (Organização das Nações Unidas) solicitou esclarecimentos ao governo brasileiro sobre denúncias de escassez de alimentos, acesso inadequado a comida e falta de água potável no sistema prisional do país.
Uma pesquisa inédita da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), ligada ao Ministério da Justiça, revela que quase 90% das unidades prisionais no Brasil oferecem menos refeições do que o recomendado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
O Panorama Nacional de Acesso à Alimentação e à Água no Sistema Prisional Brasileiro, pesquisa finalizada na última semana, aponta ainda que, em algumas unidades prisionais, a água potável precisa ser fornecida pelas famílias dos detentos.
Segundo o estudo, as regras mínimas da ONU para o tratamento de pessoas presas exigem que as refeições sejam servidas em horários regulares, tenham qualidade nutricional para manter a saúde e que haja acesso garantido a água potável. Também é necessário respeitar a diversidade religiosa e atender às necessidades especiais individuais.
Os ofícios da ONU foram enviados pelo Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. O órgão é responsável por liderar os esforços globais na promoção e proteção dos direitos humanos.
O Ministério dos Direitos Humanos solicitou, na terça-feira (25), informações aos estados para embasar as respostas, especialmente sobre problemas de alimentação e acesso à água nos estados de São Paulo, Piauí, Minas Gerais e Santa Catarina. Os governos têm até 9 de julho para responder.
Os relatores da ONU querem saber como o governo brasileiro garante o acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. Também questionam quais setores são responsáveis pela administração prisional e se há recursos financeiros adequados para cumprir os padrões mínimos de alimentação.
De acordo com o levantamento da Senappen, em 33,42% das unidades prisionais brasileiras são servidas três refeições diárias; em 54,09% delas são quatro; em 10,15% são servidas cinco refeições, e apenas em 0,72% são servidas seis.
Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária exige a oferta mínima de cinco refeições diárias: café da manhã, almoço, lanche, jantar e ceia.
O estudo abrangeu 1.384 unidades, onde estão custodiadas 581.993 pessoas, representando 90,32% da população carcerária.
A pesquisa também revelou que nas unidades que oferecem menos de cinco refeições diárias, o intervalo entre duas delas pode superar 15 horas, o que indica períodos de fome para os detentos.
Além disso, 87,87% das unidades afirmaram oferecer alimentação especial por questões de saúde dos detentos. No entanto, apenas 33,42% adaptam as refeições para atender às necessidades religiosas dos presos.
Cíntia Rangel Assumpção, coordenadora-geral de Cidadania e Alternativas Penais, destacou que há uma notável queda na qualidade dos alimentos nos estados que não possuem cozinha própria para preparar as refeições, e dependem de empresas terceirizadas.
“O alimento pode até ser produzido seguindo todos os padrões, mas o levantamento aponta uma perda de qualidade após o deslocamento. Estabelecer cozinhas internas tem demonstrado ser uma boa prática nas unidades”, afirmou.
As próprias unidades relataram diversos problemas relacionados à alimentação no sistema prisional, incluindo quantidade insuficiente, ausência de frutas, legumes e verduras, atrasos e entregas adiantadas, baixo teor de proteína, relatos de comida azeda e questões de higiene como presença de insetos.
A Folha de S.Paulo já havia relatado na série Presídio e Morte que o sistema penitenciário brasileiro é palco de uma proliferação de casos de tortura de presos e outros desrespeitos a direitos fundamentais, com restrição de comida e água.
Um dos relatos destacados na pesquisa revelou que o acesso à água para consumo humano tem sido subsidiado por familiares.
“O que mais chocou foi a precariedade das condições de acesso à água. Verificamos problemas em vários níveis. Este é um direito fundamental que deveria ser garantido pelo estado, mas está sendo equivocadamente transferido para os familiares”, disse a coordenadora nacional de trabalho da Senappen, Juciane Prado Lourenço da Silva.
Segundo as entrevistadas, em diversas unidades prisionais, para garantir água potável aos detentos, é necessário construir poços artesianos, ampliar reservatórios, contratar empresas especializadas na manutenção e limpeza de caixas d’água, além de expandir os pontos de acesso.
Para o secretário nacional de Políticas Penais, André Garcia, uma alimentação equilibrada contribui para a redução de tensões e conflitos nas prisões.
“Ao adquirirem habilidades relacionadas à alimentação saudável e ao cuidado com a nutrição, as pessoas presas passam a contar com ferramentas valiosas para uma vida lícita pós-cárcere, especialmente se essas habilidades forem associadas à capacitação profissional, ao ingresso em oportunidades produtivas e ao acesso à renda”, disse.
O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que o governo federal elabore em seis meses um plano nacional para resolver os problemas do sistema penitenciário brasileiro, sobrecarregado e subfinanciado. O plano está sendo elaborado pela Senappen e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
Por Bahia Notícias
Foto: Agência Brasil