Altos Papos

Série de Raul Seixas destaca o processo criativo de um gênio

Quem foi Raul Seixas? Múltiplas pessoas, talentos e energias criativas. Esse é o pensamento que rege “Raul Seixas: Eu Sou”, série em oito episódios que o Globoplay lança na íntegra nesta quinta. A série tenta seguir o movimento delirante de Raul, que morreu em 1989 e completaria 80 anos no próximo sábado.

Mas isso só acontece em poucas cenas –na maior parte do tempo, o que temos é a cartilha da “biopic” tradicional. Não importa: Ravel Andrade faz um trabalho impecável e pleno de energia como Raul, sobretudo nas cenas de shows e apresentações no palco. Junta-se a Daniel de Oliveira e Jesuíta Barbosa na lista dos atores que encarnaram de forma quase espírita nossos grandes ídolos.

Pude ver os dois primeiros episódios da série. O primeiro é ainda um pouco careta, algo que teria desagradado a Raul, mas cumpre a função de apresentar o personagem. Mau aluno na escola em Salvador, ele chegou a repetir de ano três vezes porque cabulava as aulas para ouvir discos de rock numa loja. Ainda por lá, casa-se com Edith contra os protestos do pai e tem sua primeira filha.

Nessa época, ele monta sua primeira banda, Raulzito e os Panteras, cujo rock é considerado banal pelas gravadoras. Mas é nessa época que ganha um grande parceiro, Jerry Adriani, a quem acompanha nos shows. Mas o sucesso demora a vir.

Pouco tempo depois, Raul começa a trabalhar como produtor musical na gravadora CBS e já mostra um talento pouco conhecido do grande público: o de compositor. Escreve músicas para nomes hoje pouco lembrados, como Marcio Greyck, Diana, Zé Ricardo, Odair José, Eddie Star, Leno & Lilian e (claro) Jerry Adriani.

Discos voadores

A série destaca uma dessas colaborações: Sérgio Ricardo (Jaffar Bambirra, de “Mania de Você”), de quem ele produz o primeiro álbum, o do hit “Eu quero é botar meu bloco na rua”, cantado até hoje nos blocos de carnaval.

A coisa melhora no segundo episódio, dedicado a uma parte muito querida da vida de Raul: sua amizade e parceria artística com Paulo Coelho (o ótimo João Pedro Zappa), que na época editava a revista mística “2001”, muito antes de sonhar em se tornar um escritor best-seller no mundo todo.

O episódio parte de uma história que Raul adorava contar em entrevistas: a de que os dois se conheceram uma noite na praia, vendo um disco voador. Ele é todo construído em torno da máxima “se a lenda é maior do que a verdade, imprima-se a lenda”. Paulo e Raul compuseram 33 músicas juntos, entre elas as icônicas “Sociedade Alternativa” e “Gita”.

Uma cena divertidíssima mostra Raul tentando ensinar Paulo a escrever letras mais simples e de fácil comunicação como a de “Al Capone”, quando o escritor ainda vinha com textões maiores que os de Saramago e William Faulkner, que não cabiam nas canções.

Elvis Presley brasileiro

O jogo vira para Raul quando ele faz no festival Phono 73 uma apresentação bem calcada no ídolo Elvis Presley, num evento que ainda teve Gal, Caetano, Gil, Chico Buarque e outros artistas já consagrados. Começa ali o sucesso de um artista que era ao mesmo tempo erudito e popular —ou, como ele diz para Paulo Coelho em uma cena, que faz “a união do cósmico com o mundano”.

Resumindo: “Raul Seixas: Eu Sou” tenta, mas não alcança o pensamento abstrato e psicodélico do grande artista que foi Raul. Mas, pensando bem, nada nem ninguém alcançou depois dele. De qualquer modo, é o retrato na ficção que o nosso audiovisual estava devendo a um artista único, que não deixou herdeiros artísticos. Sua liberdade faz falta num país em que o mercado domesticou completamente a música em todos os gêneros.

Raul Seixas: Eu Sou

Todos os oito episódios disponíveis nesta quinta, dia 26, no Globoplay