Os yanomamis estão com muito medo de falar sobre o suposto estupro e morte de uma menina de 12 anos porque foram silenciados e ameaçados, disse à Folha o líder indígena Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (Condisi-YY).
Foi ele quem trouxe o caso à tona em um vídeo nas suas redes sociais na última segunda (25) e quem visitou a região em Roraima na quarta (27) e na quinta (28), junto a equipes da Polícia Federal, Ministério Público Federal, Funai (Fundação Nacional do Índio) e Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena).
No primeiro dia, o grupo encontrou um acampamento ilegal de garimpeiros que fica a 500 metros da aldeia. Ele conta que avistou dois helicópteros indo embora quando estavam chegando. Pousaram e, 40 minutos depois, apareceram três adultos e três adolescentes indígenas. Conversaram com dois deles.
“Os yanomamis estavam com muito medo de falar. Eles diziam: ‘Não sei, não sei’, ‘eu sou gerente dos garimpeiros’, ‘tem pistola, tem pistola’. Aí perguntei onde estava a comunidade e disseram que estava no mato. Eles não falavam absolutamente nada. Foram bem orientados, eu percebi isso”, afirma Júnior.
Um vídeo gravado por garimpeiros dias antes mostra um homem falando com parte desses indígenas: “Estão dizendo que mataram uma índia, estupraram e jogaram, viemos aqui para relatar que isso é uma mentira. Isso é uma verdade ou uma mentira? Aconteceu?”, pergunta ele às quatro pessoas, que apenas balançam a cabeça e dizem “não”.
Júnior acrescenta que, na quarta-feira, “os indígenas só queriam salvar materiais dos garimpeiros: geladeira, freezer, televisão. O delegado falou que não podiam levar, mas mesmo assim levaram algumas coisas”. Durante as duas horas em que permaneceu ali, a PF destruiu parte do ponto de logística.
Segundo ele, havia cerca de seis barracos, pontos de internet, geradores, milhares de litros de combustível para os helicópteros e barcos (que foram inutilizados ou queimados), muitas anotações e documentos, carne e quilos de cassiterita, um minério encontrado na região.
Apenas cinco a dez minutos de barco e caminhada separam o acampamento da aldeia Aracaçá, para onde a comitiva seguiu no dia seguinte, quinta. Ali, porém, eles só encontraram as casas queimadas, sem ninguém. Antes moravam cerca de 25 pessoas.
“[Não tinha] nenhum sinal dos yanomamis nem de quem apareceu no primeiro dia. Percebi que tinha a marca de cremação de um corpo. Quando um yanomami morre, a gente crema o corpo para ritual, para ficar junto da família. Em seguida abandonaram a comunidade. Estão dentro da mata”, acredita Júnior.
Marcas que indicam cremação de corpo na comunidade Aracaçá (RR) – Arquivo pessoal
A Folha procurou a PF e o MPF neste sábado (30) para confirmar as informações, mas não obteve resposta. Após a ida à aldeia, os órgãos divulgaram notas parecidas informando apenas que não encontraram indícios de crimes na região e afirmando que as apurações continuariam.
“É uma situação muito grave. Não pode concluir a investigação com duas horas de visita. Tem que ser continuado”, cobra Júnior. “A Polícia Federal só queria ver se o corpo estava lá”, acrescenta o líder indígena, que também pede a apuração de outros supostos crimes contra yanomamis.
Ele recebeu informações da comunidade vizinha de que uma criança de cerca de 3 anos da aldeia Aracaçá também caiu no rio na última semana e está desaparecida. Um outro bebê recém-nascido teria sido levado recentemente para Boa Vista por um garimpeiro que alegava ser pai da criança.
Com o medo de denunciar, as informações seguem desencontradas, afirma. “Queremos que o governo federal, o Exército, retire os garimpeiros urgentemente. Estão sujando o rio, retirando tudo, afastando os animais. O povo Yanomami está ameaçado, tomando água contaminada de mercúrio, não consegue mais buscar sua espiritualidade”, critica.
Por Folha de S.Paulo